quinta-feira, abril 28, 2005

 

Sonho de Consumo

Dentre amigos, família, sempre brinco que o meu sonho de consumo é o Chico Buarque. Além de belíssimo, percebo em sua música, em suas entrevistas, muitas das idéias que carrego comigo. Hoje, em matéria publicada pelo Diário Vermelho, estou ainda mais encantada (rs).

Eu sou uma fã acomodada, que não vive da admiração pelo persona, mas que ao conhecer um pouco mais da sua vida e obra, fica feliz por aprofundar o grau de identificação e admiração já existente. Eis:

“Chega de Saudade” de Jobim e Vinicius, entoada por João Gilberto, despertou em Chico o entusiasmo pela música. A identificação ocorreu logo quando esta começou a tocar nas rádios, apresentando ao Brasil a Bossa Nova (uma das poucas boas influências norte-americanas). Não à toa. É difícil não ser contagiado pela leveza, clareza e beleza desta música.

Sobre o governo Lula: “Eu votei nele e continuo tendo confiança. São muito estreitas as margens que ele tem para mudar as coisas e há muitos setores da esquerda que estão impacientes. Mas sua obrigação é de governar para todos os brasileiros (...) Em vez de ter ciúme, deveríamos estar perto dele porque, creia-me, os braços dos banqueiros são muito confortáveis...”.

Logo quando descobri Marx, Fidel, Che, Prestes, considerava que o socialismo era o caminho ideal. Sinceramente, ainda acho, mas a consciência crítica da realidade, do poder do capital, o conhecimento da ‘evolução’ da ordem mundial – aprofundados agora com este maravilhoso curso de pós-graduação em Política e Relações Internacionais – não me permitem mais muitas ilusões.

Então, voltando ao assunto, quando me perguntam sobre o governo Lula, ainda considero exatamente o que Chico falou. Dentro dos limites para exercer o mandato – desde o mercado externo até os entraves existentes na política brasileira – considero um bom trabalho.

Voltando ao Chico, encerro com 'Homenagem ao Malandro'
Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem,
que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem
que aquela tal malandragem não existe mais.

Agora já não é normal,
o que dá de malandro regular profissional
malandro com o aparato de malandro oficial
malandro candidato a malandro federal
malandro com retrato na coluna social
malandro com contrato, com gravata e capital
que nunca se dá mal.

Mas o malandro pra valer, não espalha
aposentou a navalha,
tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha no trem da central.

quarta-feira, abril 27, 2005

 

Eles Escolheram em Quem Apostar


Bush e sua política para a América Latina. Lula aceitará?

“Ultimamente coube ao National Inteligence Council, dos Estados Unidos, apresentar um estudo prevendo que, nos próximos 15 anos, a China, o Brasil e a Índia possam vir a conquistar um lugar entre as grandes potências mundiais.”
Folha de São Paulo, 15/02/2005

“Os analistas do NIC insinuam que o Brasil estaria numa posição privilegiada pois continuará sendo encarado como um parceiro natural tanto dos EUA quanto da Europa, quanto das potências emergentes China e Índia, e tem ainda o potencial de aumentar a sua influência como um grande exportador de petróleo.”
Estudo realizado pelo Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos (NIC, na sigla em inglês), coordenado pela CIA, a Agência Central de Inteligência.

“O Brasil é um parceiro vital para ajudar os Estados Unidos a lidarem com uma crise crescente na Colômbia, a instabilidade nos países andinos e as relações cada vez mais complicadas com um governo populista na Venezuela, importante fornecedor de petróleo (...) “Os Estados Unidos concordem ou não, o Brasil tem um papel importante na América do Sul. Devemos começar a escutar as perspectivas brasileiras e considerar o Brasil como um importante parceiro estratégico, tratando-o da forma adequada."
Carta dos membros da força-tarefa do Conselho de Relações Exteriores ao governo de George Bush, em 21/02/2001.

E a última: “O Brasil é um líder regional que está se firmando como uma potência mundial.”Condolezza Rice, ainda em visita ao Brasil.

Tantos elogios, boas previsões, sempre aliadas ao SE o Brasil continuar parceiro dos Estados Unidos, SE o Brasil mantiver a política neoliberal, SE o Brasil apoiar os EUA na busca pela ‘democracia’ na região, nosso país será uma potência. Este é o significado da visita da Secretária de Estado norte-americana, Condoleza Rice.

Cá entre nós. Será que este otimismo todo se deve à bondade do povo brasileiro, do carisma do presidente do Lula ou, como podemos perceber nas entrelinhas das citações acima, a preocupação em conquistar um parceiro importante para conseguirem impor com mais facilidade sua agenda ‘positiva’ na América Latina?

Se olharmos para os nossos vizinhos latinos, perceberemos o quanto estão mal comportados para os padrões norte-americanos. No Equador, Gutiérrez foi deposto após afastar-se da política pela qual havia sido eleito e se entregar aos padrões neoliberais.

Na Bolívia, a deposição de Lozada (amigo norte-americano) para a entrada do vice Mesa (também amigo norte-americano) que quase foi deposto pelos protestos populares, que ainda reivindicam uma política direcionada às questões sociais que assolam esse país.

A eleição de presidentes ditos de esquerda na Argentina, Uruguai e Chile demonstram a insatisfação da população latino-americana com os modelos neoliberais anteriores – apesar de Kirchner, Vázquez e Lagos apontarem ao mesmo sistema econômico com algumas melhorias sociais. O caso mais gritante do Chile, que entregou toda a sua soberania ao ‘livre mercado’.

O laço fraternal de Bush com os presidentes do Paraguai, Peru, México e Colômbia estão abalados visto a desaprovação popular frente às medidas adotas que resultaram em desemprego, abertura do mercado e aumento da dívida externa. Como também se enquadra o Chile.

Os grandes empecilhos aos falcões são o velho Fidel Castro e Hugo Chávez. Embasados na velha retórica da necessidade de democracia e liberdade, estão a manipular toda a opinião pública para dar credibilidade a uma intervenção estadunidense – como aconteceu no Iraque, mas com a diferença de termos na Venezuela e em Cuba políticas voltadas às questões sociais e, conseqüentemente, aprovadas pela população.

Eis porque tanto otimismo para o Brasil. Esta insinuação de sermos a nova potência poderia ser direcionada para qualquer outro. Basta que o capital rentista (ou o famoso mercado) norte-americano se dirija para o país de sua escolha. Se o governo brasileiro optar pelas braçadas no Mississipi, poderemos ser, por que não, uma nova potência. Pra isso, Lula terá de rasgar, definitivamente, sua carteirinha de sindicalista e comprar a de sócio deste clube elitista. Ou, poderemos ter agora nesses dois próximos anos, o declínio da economia favorecendo a candidatura do ex-sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

terça-feira, abril 26, 2005

 

Não perca este Ônibus!


Ônibus 174 é um excelente documentário

"A policia realiza o jogo sujo que a sociedade gostaria que fosse feito." Esta frase se refere ao assassinato de Sandro pelos policias cariocas, logo após o fim do seqüestro do ônibus 174. Quem não lembra do policial que, na tentativa de assassiná-lo, acertou a cabeça da refém. O alvo sobreviveu, mas morreu asfixiado no camburão, a caminho da delegacia.

Não é difícil ouvir as vozes condenando-o ao lembrar de um homem pardo, desdentado, sujo, drogado, usando um pano escuro enrolado na cabeça, boné, que com linguagem de malandro prometia ‘esquentar a chapa’ se a polícia não atendesse suas exigências.

Fácil condená-lo se nos limitarmos ao seu presente. Mas é justamente isso que o documentário desconstrói. Como podemos julgar, punir, eliminar alguém com um passado marcado pela exclusão social, pelo racismo, pela pobreza, pelo vício.

Na infância, Sandro presenciara sua mãe ser degolada. Foi morar nas ruas, algumas vezes em frente à Igreja da Candelária. Isso mesmo, ele foi um dos sobreviventes da chacina realizada por policiais em 1993, quando morreram oito crianças.

Teve oportunidades sim... Depois de ter sido flagrado roubando um carro, foi para uma unidade da Fundação do Bem-Estar do Menor - FEBEM. Não é lá que oferecem programas de profissionalização e a reintegração social do adolescente? (Estou sendo irônica, logicamente).

Mais da história de Sandro é narrada neste filme. Para conhecê-la melhor, basta atentar a cada um dos garotos que vivem na rua e que fingimos não existir. De tantas vezes que me deparo com eles, chorei apenas duas. Uma quando na saída do cinema, após assistir Cidade de Deus, um garoto no farol começou a fazer graça para mim. A princípio o ignorei, mas seu sorriso, suas mímicas, me cativaram. Ele não pediu dinheiro, só queria que os outros rissem da sua ‘arte’. Chorei. Chorei muito.

A outra foi há alguns dias, quando um garoto malabares matou a pau. De verdade. Não tinha dinheiro para dar a ele, mas o surpreendi com um elogio. Juro que foi espontâneo. “Muito bom! Parabéns!”. Ele abriu um sorriso tão lindo, tão sincero... Seu amigo aprece que ficou mais orgulhoso que ele. “Você viu o que ela falou! Nossa... Tá mandando bem”. Depois da segunda marcha chorei que nem criança.

Quanto tempo levará para que percam a inocência? Quanto tempo suportarão ser ignorados frente aos vidros dos carros fechados, aos maus tratos da polícia, à dureza das ruas. “Cold ground was my bed last night, and rock was my pillow, too... Talking blues, they say your feet is just too big for your shoes”. Palavras de Bob Marley, aquele negro que fumava maconha e não tomava banho.

Muitos devem estar pensando: “Quanta ingenuidade! Bandido tem de morrer tudo. São tudo sem-vergonha”. Desculpem, mas não consigo pensar assim. Ainda mais depois de assistir a ‘Ônibus 174’, que não por acaso, tem sido pouco divulgado, pouco assistido e jamais passará na tevê aberta. Melhor ver mil vezes “Meu Primeiro Amor”, “Armageddon”, “Efeito Colateral”, “Duro de Matar”... Dentre tantas pérolas estadunidenses...

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